No dia em que meu pai morreu, minha mãe e meu irmão me ligaram ao mesmo tempo. Vendo, pela tela dos telefones, os dois, juntos, tive certeza que ele havia partido. Nada iria unir tão distantes mundos se não fosse, àquele momento, monumental movimento que estremecesse as abaladas estruturas, em meu mundo.
E eu havia o encontrado mais cedo. A barba estava, estranhamente, um pouco mal feita. Não daquelas que portariam os bandidos do velho-oeste, mas seus pequenos pêlos do rosto eriçavam-se retos, paralelos a aquela face já sulcada por rugas. Vendo-o rindo, alegre, feliz, percebi o quanto ele estava ficando mais velho. Percebendo-me tolhido por mais um dos momentos de saudosismo lusitano que teimam em me arrematar, afastei sem titubeio aqueles pensamentos, à hora.
Quando cheguei, meu irmão em frangalhos, revi em sua janela aquela foto que nunca havia visto, mas sabia quando tinha sido. Talvez, me lembrei até a dita hora do fotograma, e inventei toda a paisagem do quadro estático, em minha memória, para preencher o vazio. Aquele bigode branco em um rapaz magrelo, carioca do morro, mas que já havia mareado em tantas tombarias e caatingas que eu nem me davam conta. Ou contos. Ou pontos. A depender da contabilidade.
Pensando sozinho, me atinei que nada disto havia acontecido. Meu pai não morreu naquele dia, nem em nenhum momento desde que o conheço (e o conheço lá se vão muitos anos) embora várias vezes ele algo esvaneça em minha mente. Continua, para minha felicidade, vivo a sambar.
Provavelmente agora dorme um sonho bêbedo, daqueles que nos deixam leves no próximo dia raiado.
Eu, sentado ouvindo o tom azul da televisão, vejo os carros apressados que atravessam o viaduto. Embora duvide que necessitem de tanta agilidade, espero que, com sorte, eles possam ir a algum lugar.