terça-feira, 29 de abril de 2008

Koan

O monge Nagarjuna era um grande conhecedor do buddhismo. Certa vez, seu mestre, Kapimala, ganhou uma jóia preciosa de outra dimensão, do reino das nagas.

Nagarjuna: Esta jóia, brilhante e mágica, tem forma ou não?
Kapimala: Você ainda está obcecado por dualismos, "com forma" e "sem forma". Por que você não percebe esta jóia diretamente? Ela não tem forma, nem é sem-forma. Além disso, ela nem mesmo é uma jóia.

Nagarjuna percebe a forma da não-forma, a jóia que não é uma jóia, e realiza o caminho.

(...)

Tenho que estudar...
Tenho que trabalhar!
Tenho que viver.

Energia que se expande e se contrai alucinadamente.

absorve ...
... EMITE!

Sou.

Consciência momentânea.
Que trafega
entre a montaria
e o cavaleiro.

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quarta-feira, 9 de abril de 2008

Dona Divina

Dona Divina.

Quente. O ar condicionado não funciona direito. ‘Quinze pras quatro’ de uma tarde modorrenta de quarta-feira. Fome. Mas ainda assim, tranqüilo, sereno. Estudando Direito Penal. “O princípio da diginidade da pessoa blá blá blá...” Soa como ironia.

Ela entra.

“Boa tarde. Gostaria de falar com o Belém.”
“O Dr. Belém só atende às quintas e às segundas. Amanhã ele estará aqui. Eu posso te ajudar?”
“É que eu gostaria de saber por que meu filho teve pedido de semi-aberto duas vezes mas não sai daqui.”

O Dr. Belém é visto como responsável por muitos ficarem, não “passarem” no Exame Criminológico, mas isso é cotidiano. Se existem heróis nessa m* de mundo, o Dr. Belém é um deles. Peço o nome do filho, olho o prontuário, leio para ela as conclusões do último laudo, explico que o laudo dele foi razoavelmente bom e que ele poderia ter saído. Mas já me lembro e pergunto:

“Qual foi o delito (eufemismos....) dele?”
“Latrocínio.”

Engulo seco. Tudo que não gostaria de ouvir. “Latrô”. 157, §3. Crime complexo, que envolve tantas variáveis e componentes quanto grãos de areia nesse mundo. É claro que você pode simplificar as coisas, reduzir, rotular o “delinqüente”, dizer que é desumano... O Bush também comanda a América e quase o mundo, a desigualdade social reina galopante, e nem por isso as coisas certas são feitas ...

Negra. Cansada. Olhos marejados, mas ela não chora. As lágrimas teimam em tentar sair, mas ela não chora. Fica em pé. Altiva. Pobre. Apanhou muito nessa vida. Já sofreu demais. O sofrimento humano não tem limites.

Como explicar a esta senhora que , em se tratando de latrocínio, há uma notável resistência por parte da ‘justiça’ goiana de conceder a progressão? Que, embora não seja comum, há laudos que são bons e que os presos não a tem? Como dizer as palavras mais simples: “Senhora, seu filho está f*...”

“Moço, é que ele caiu com 18 anos, estava com emprego arrumado de garçom; foi no final de semana, no início da semana ele ia trabalhar. Há oito anos que eu puxo cadeia com ele. Todo domingo eu to aqui. Eu sei que ele tem que pagar, mas ele também tem que sair. Ele perdeu a juventude dele toda aqui.”

“Eu sei Dona Divina” é o que eu penso e falo. Concordo com ela. Tento reconfortar. Mas como reconfortar alguém que vive oito anos de prisão, sem estar presa? É claro que ela desconhece um princípio basilar do Direito Penal, constante no artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso XLV: “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado”

Como fica bonito assim, escrito, na Constituição...

Oito anos de prisão para esta mãe, e bem possível mais. A possibilidade de ele sair é mínima. Tento manobrar as palavras, não me dou nada bem com a esperança, e não posso dá-la nunca a alguém que tenho absoluta certeza que já a perdeu e não quer reencontrá-la. Tento não ser incisivo, tento “levantá-la”, tento dizer dos meios jurídicos possíveis para contornar esse impasse...

Tento...

“Moço, é que ele só errou uma vez moço. Era novo. Agora, ta usando droga, tá mudado. Ele é um menino tão bom. Eu que sou mãe eu sei; eu vejo ele todo domingo, converso com ele. Falo pra ele ficar bem. Mas ele não fica. E não sai daqui.”

Converso longamente com ela. Peço pra que ela volte amanhã, para conversar pessoalmente com o Dr. Belém, ver o que ele poderia fazer. Mas eu o conheço. Ele nunca iria mudar um laudo para ajudar qualquer que seja. Sempre ético. O que ele vê, está ali. É a vida dele que está no documento.

Dois heróis. Dona Divina e Dr. Belém. Antagonismos.

Ela sai pela porta de minha saleta.Os grandes olhos negros marejados.
E o pior que ela não chora.

Eu? Choro todo o caminho de volta para casa....


“Pick me up, love, from the bottom.... to the top love...
Everyday...”

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Dreams

Como se tranqüilamente houvesse entrado em meu sonho... vívido. Vozes serenando, a música transmutando-se e a neblina, que outrora partilhava comigo sua existência, num par íntimo indivisível, dissipou-se.

transcendência ...

Ali, o passado assomara no presente: olhares a lugares que nunca visitei me acertavam com tamanha intensidade que, instintivamente, dobrei meus joelhos... Estive certo de que o golpe que separaria minha cabeça, tamanho peso que carrego, de meus ombros estava próximo. Recolhi-me em meus pensamentos e aguardei...

não veio...

Como tudo que não veio durante minha vida e eu aguardara ansioso
Minha faculdade ficou no lugar, e meus demônios tornaram a me espicaçar,


Imóvel. Ruminando a constante inércia em que me aprisiono. O eterno ciclo do alarmar/acalmar. Excitação. Ausência. O estímulo que, omisso, foi rememorado em longas e calmas tardes de domingo.

Por baixo das camadas:
folhas,
papelescos,
papelotes e
perfidez


A certidão carcerária ...
Ausente?
Certificado e com fé!

Um passo para sair deste sonho. Um mísero passo atrás. Ou a frente, quem saberia dizer se o momento não o era?

Enquanto todas estas sensações perpassavam aquele indivíduo, o corpo suando indiferente à mente, o espírito atravessara a ponte e foi brincar nas piscinas douradas do pôr-do-sol.

Onde, os campos de trigo; carreados pelos bicos dos pássaros, açoitados pelos humildes fazendeiros: grãos se perdem entre a paisagem metodicamente geometrizada dos tablados de plantações.

As pequenas casas à beira-mar, com roupas estendidas, alvas, em varais improvisados nas janelas, onde por fundo, o monte nevado observa...

sabiamente,
agredido,
mutilado,
sozinho....