terça-feira, 11 de dezembro de 2007

in vino veritas


Era segunda feira e eu tinha acabado de sofrer na cadeira do dentista uma tortura inigualável (hmm... mentira, mas fica mais dramática a história). Aturdido e padecendo de dores, comecei a pensar com os meus botões: o que fazer naquela noite? Já estava de férias e sem a faculdade, mais tempo sobra para estes pequenos prazeres. Minha namorada chegou com uma brilhante idéia: vamos à loja de vinhos que abriu na esquina!

“Opa, alto lá cara-pálida... vinho?”. De vinho eu só tenho ciência dos litros e garrafões que já entornei quando era moleque e ficava ouvindo música e tocando violão com os meus amigos, debaixo do pé de manga na casa do Raphael. Em suma, sou um zero à esquerda nesta arte tão requintada da enologia. Peçam-me uma sugestão de vinho e eu devo falar algo como “Mas com essa grana você compra 2 caixas de Bohemia!”. É mais ou menos assim.

“Hmm... boa idéia. Vamos lá, vamos ver se consigo enfim gostar tanto de vinho como eu gosto de certeza.” Dá para perceber que seria mais uma perdição na minha vida. Mas como eu gosto do mal-feito, me vesti e fomos à loja.

Sempre me lembro do Sideways – entre umas e outras (continuo me surpreendendo com a criatividade das pessoas que traduzem os nomes dos filmes... só a Polícia Federal consegue superá-los com o nome de suas operações.), um filme que eu acho horrível e entediante, mas para os conhecedores e amantes da bebida deve ser muito bom. Até tentei compreender e apreender sobre as variedades de uva essas coisas, mas não consegui.

A noite prenunciava-se fria e perfeita, já que no DVD outro filme nos aguardava Stardust, de Neil Gaiman (o criador de Sandman). Este sim vale cada gigabyte baixado. Outra história para um outro dia.

A loja é realmente muito bem arrumada, e oferece muitos vinhos e outras coisas gostosas, e o preço estava bem em conta (cerveja Therezópolis a R$3.89 !). Bom, vamos lá, deixa eu esquecer a cerveja e me enfurnar por aqui e ali, dar uma pesquisada e achar algo que o valha. Sempre me dizem que meu problema com o vinho é o preço dos que compro, mas fica complicado um mamão como eu pagar trinta e cinco reais numa garrafa espetacular e não achar nada de mais.

Procurei pelos vinhos chilenos e argentinos, já que pelo que leio, oferecem um ótimo custo-benefício (note bem essa palavra, custo-benefício...). Olha daqui, bisbilhota dali, eu to sem muita grana, então achei que comprando um entre 15 e 20 reais seria uma boa escolha, ou pelo menos não poderia ser tão ruim né?

Fiquei entre um argentino e um chileno. Bom, nessa hora uma opinião de quem entende é o necessário, então eu e minha namorada fomos ao sommelier, ao vouletier, sabe-se lá qual o nome do cara que conhece disso. Com toda a tranqüilidade pergunto:

“Amigo, estou em dúvida entre este chileno e este argentino. Qual você me recomendaria para acompanhar alguns quei...”

“Escolhe este (o argentino). Este chileno é reservado, difícil, mais complexo, enquanto este é um bom vinho. Ele é honesto.”

“Honesto?”, eu redargüi.

“É, por este preço... Ele é bem honesto”.

Porra. Por este preço? Que raios isso quer dizer? A honestidade do vinho tem a ver com o preço? Aliás, que merda é essa de honestidade? Aliás, não, aliás mesmo, alguém pode me explicar se o cara estava tirando onda comigo ou não? Eu estou até agora achando que o cara me tirou...

Acabou que ainda levei o vinho só para entender o que ele queria dizer com essa tal honestidade. Não entendi a palavra, mas era um bom vinho no final das contas.

Honestidade ... sei...

Ps: O motivo da Foto? O cidadão atrás ao centro, o espetacular Johm Entwistle, era um famoso apreciador de vinhos (e outros aditivos mais ...). Em 27 de junho de 2002, um dia antes da abertura da turné americana do The Who, o baixista foi encontrado morto em seu quarto no Hard Rock Hotel e Casino, em Las Vegas. Ao seu lado, reza a lenda, garrafas de vinho e cocaína.

----------------
Now playing: The Who - Young man blues
via FoxyTunes

domingo, 9 de dezembro de 2007

Olhos de Cão Azul

1967. No mundo, a Guerra Fria se desdobra no Vietnam. No Brasil, é iniciada a escalada para os violentos “anos de chumbo”, que viriam dois anos depois. Movimentos estudantis e de esquerda iniciam a luta armada contra a ditadura que marcaria a ferro e fogo nossa nação.

Na música, em primeiro de junho os Beatles lançam o álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (considerado o número 1 de todos os tempos pela revista americana Rolling Stone), revolucionando todo o rock. Uma incipiente banda edita seu debut, The piper at the gates of dawn, (seis anos depois, lançaria sua obra prima The Dark Side of the Moon...). Jimi Hendrix lança seu Are You Experienced, e o planetinha nunca mais foi o mesmo.

Morrem Ernesto Rafael Guevara de la Serna e João Guimarães Rosa. Tanta coisa acontecendo em tempos conturbados e confusos (mas quais não são?). Eis que, neste mesmo ano de 1967, estas singelas palavras anunciaram a definitiva entrada de um escritor colombiano entre os deuses da literatura humana.

"Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como um ovo pré-histórico. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com os dedos."

Gabriel Garcia Márquez inicia assim o seu livro “Cem Anos de Solidão”. Talvez acometido pela mesma febre da insônia que ataca a família Buendía, eu li todo o livro em dois dias intercalados por uma noite lá pros meus dezoito anos. Não conseguia entender como palavras, sem rebusque nem pedantismo, colocadas uma após a outra, tal qual formigas em um trieiro, conseguiam me atingir com tamanha fúria, feito bruxaria.

Pois o mesmo fado que atravessa a família Buendía, já aclamada nos versos “porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra”, é o mesmo feitiço que te acorrenta ao livro. Ainda te lança em uma atemporalidade permanente a cada página lida, ao reconhecimento mútuo com os personagens que se sucedem. Os atores dum mundo fantástico e real ao mesmo tempo, um mundo onde a confusão de nomes parecidos dos personagens, todos os Josés, Arcadios, Aurelianos, não traz penúria a quem lê, mas o encarcera no universo de Garcia Márquez, recorrente em todos os seus livros.

Macondo não é uma vila impossível. Macondo é a própria história da América Latina, das cidades pequenas e das grandes metrópoles. É o atraso de mãos dadas com o progresso, o sonho, a loucura e a paixão que habita nossas paragens. A banana e as formigas, o café e os bois, o rio que traz o ouro e a enchente. As montanhas e a distância que impedem a informação do mundo exterior, e a protegem da chegada da revolução e da guerra. Os constantes ciclos que as cidades passam de fartura e de desgraça, arrastam consigo seres humanos que estão irremediavelmente ligados à terra, ao seu local de existência.

Cada Buendía carrega consigo um dom que é tambem a sua maldição. Por entre os momentos de felicidade percebe-se a solidão de um personagem ou a solidão difusa que se espalha por sobre a casa. A solidão que está agarrada ao barro da parede, à cal da pintura branca, aos peixinhos dourados, os animaizinhos de caramelo, solidão esta que se recusa a sair da mente e do coração dos personagens. Toda a aparente imortalidade da família, que se confunde nos elos de pais e filhos, sobrinhos e netos que, indubitavelmente, carregam uma característica do seu genitor e comportam-se tal como avô, o pai, a mãe. Todos são imersos na solidão.

Mas não a solidão que em nosso tempo é taxada de maléfica, inconcebível ao ser humano, e combatida violentamente pelos livros de auto-ajuda, os produtos, antidepressivos. Talvez a solidão que Vinícius deixa entremear nas linhas de alguns de seus poemas, principalmente Dialética,onde ainda enxergo um quê de tristeza/solidão muito presente. É a solidão que inevitavelmente atinge o ser humano pois ele existe. Talvez, advenha do vazio da existência. Mas considero que é a solidão necessária ao engrandecimento do espírito e da mente.

Garcia Márquez dizia que gostaria de escrever como sua avó lhe contava estórias. E esta é uma estória belíssima e triste ao mesmo tempo, em que a solidão é preenchida pelos entes e pela realidade fantástica dos acontecimentos da vida, uma vida em que ocorrem incestos, assassinatos, luxúria, desejo e mentira, traição, desprezo e perfídia de maneira simples, em que a violência é transmitida assim como a alegria, de forma calma e pacífica, se isso pode ocorrer. Não há sobressaltos nos adjetivos e descrições, nem emoções em demasia. Tudo é muito fluido e muito perene. Em uma época tão recente, como o autor descreve, em que as coisas careciam de nome, o romance existe por si só, te laça por ele mesmo e se expande e contrai em um ritmo natural. Não é necessário nada, além de um espírito livre para ouvir uma história.

De qualquer modo, não há como viver e não ter lido “Cem Anos de Solidão”. Teria por mim, uma vida muito solitária quem o fizesse.


Ps: O título, "Olhos de Cão Azul", é outro dos livros de Gabriel Garcia Marquez. Eu considero um dos títulos mais legais de livro que já vi.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Curta Brasileiro

Laços, Flávia Lacerda e Adriana Falcão

Com boas e singelas idéias, podemos fazer algo de positivo. Este curta é um exemplo. Foi vencedor do concurso Project Direct no YouTube e será exibido no Festival de Sundance, um dos mais importantes do cinema alternativo. O roteiro é de Adriana Falcão, mãe da atriz principal Clarice Falcão, e foi dirigido por Flávia Lacerda, com fotografia de Felipe Reinheimer e participação de Célio Porto e Jô Abdu.

Simples, com fotografia enxuta e edição rápida. Os angulos são exatos, nem demasiado longos, mas que utilizam o momento correto para transformar a linha da história. A montagem e edição, aliado à boa música, piegas sim, mas emotiva, que tiram do roteiro a sua última gota de autenticidade. De outro modo, seria um lugar comum piegas (valeu ogro!) como tantos que vemos por aí.

Vale lembrar que foram três os escolhidos entre os curtas que competiram e o brasileiro ficou em primeiro lugar.