sexta-feira, 27 de junho de 2008

razorsharp bubbles


É comum observarmos, no cotidiano, discussões acerca do sentido da vida, e como estas discussões inevitavelmente terminam encilhando os argumentos sob o manto de teorias várias: científicas, morais, religiosas, individuais, etc. A aparente manutenção do capitalismo-liberal democrático contemporâneo, pós-queda Muro, como o método realizado para direcionar economicamente a população humana transmite uma mensagem bastante clara e direta: a fórmula da melhor sociedade foi finalmente encontrada.

Não há mais necessidade de embates filosóficos. Decerto que o modelo ainda é falho, pois humano, mas só necessitamos de ajustar suas condições: pequenos reparos aqui e acolá e tornaremos a sociedade mais justa, tolerante, etc. Aparentemente, com o fim das utopias, não existem antagonismos suficientes para se neutralizar este modelo que, aos olhos do populacho, transmuta-se como o verdadeiro eldorado outrora sonhado. Necessário é trabalhar, receber, poupar, investir, especializar, e, se fores esperto o suficiente, teu assento olímpico está reservado.

Embora esta visão possua força descomunal, há alguns antagonismos muito fortes inerentes ao sistema que podem solapar tais instituições do pedestal onírico na qual situam-se. Há, entretanto, um grande porém: é necessário um grande estofo para que possamos, inicialmente, entender como funciona e qual o sentido da vida. É justamente aqui que podemos entrever um dos principais pulsares que emitem a episteme necessária para tal realização: o pensamento alargado.

Se algum dia eu pudesse humildemente escolher algumas palavras que definissem a espécie humana para um extraterrestre, esta palavra seria só uma: diversidade. Para todo e qualquer sentido, diversidade. Esta diversidade, que é uma característica da energia vital que nos anima e se dispersa pelo pequeno torrão de matéria que circunda a terceira órbita interna de nosso sistema solar, é início da discussão dos sentidos.

Diversidade: possuímos culturas diversas, que geram seres únicos, possuídos por espíritos deduzidos de pequenas estruturas distintas; indivíduos que ao trilhar o caminho inverso, do gene à humanidade, através de famílias, grupos, organizações, imitando a sua própria biologia (teorizada por eles mesmos), transformam toda a cultura e assim, ad aeternum se possível, seguem em mutação.

O antagônico da diversidade é a uniformidade. O uniforme enquadra, disciplina, apara, apresenta. A uniformidade trabalha mais efetivamente as forças a desiderato fim que o caos inerente à diversidade. Na esfera dos conceitos, dos sentidos, do pensamento, a afiada uniformidade imposta penetra e transforma as pessoas em portadores de discursos obsoletos e conceitos antiqüíssimos.

O crucial dos conceitos e discursos é que os mesmos realizam o sentido pessoal de cada um acerca de tudo, principalmente sobre o sentido da vida do portador. Deste modo, conceitos obsoletos e discursos antigos limitam o espírito do sujeito. Contido, o sujeito facilita o processo de dogmatização em sua vida, de sua energia; aprisiona-se a uma pequena, mas satisfeita, bolha de subsistência.

O antídoto a tal movimento é o que Kant, seguindo a linha de Rousseau, realiza com o conceito de pensamento alargado. O pensamento alargado poderia ser discorrido largamente. Por ora, seria necessário entender que o ânimo que procura expandir as fronteiras que limitam o indivíduo a todas as suas camadas presentes, rompendo com sua esfera segura de existência, irrompe-o no vazio, no caos, no novo, no descoberto. Transmuta de tal forma o sujeito que, ao tentar retornar à sua situação anterior, dificilmente se satisfaz com o pouco que ele possuía, o pouco que buscava. Descobre, de forma nietzscheana, os antigos falsos-ídolos e os despedaça defronte a si próprio.

Dínamo expansivo que alarga o pensamento e dilata diretamente o próprio sujeito que pensa. As amarras que ante seguravam-no desatam-se. Realizado e realizando-se, ele aprisiona agora novos conceitos e discursos, possui novos pontos de vista. Consegue, se não compreender, respeitar o outro e amar o Outro, estes símbolos que a psicanálise desvenda tão bem de nossos inconscientes. Criamos um laço empático, maximizamos nossa serenidade e a sabedoria.

Esta passagem do singular para o plural, das concepções ínfimas às mais amplas e complexas, atua afastando o sujeito de seu ponto de partida, sem contudo renegar a sua essência histórica individual. O verdadeiro espírito do mundo é aquele que consegue mudar permanecendo, em essência, o mesmo, agregando experiências e transcendendo a patamares cada vez mais altos em relação aos que não se aventuram e mantém, embora até com uma vida muito diversa, a cabeça e os pés no mesmo chão que nasceram.

Ascender a esta situação requer uma dose muito grande de busca e liberdade. Embora estes pressupostos, a liberdade e a possibilidade da busca, estejam hoje ao alcance de parte infinitamente maior do que estavam em tempos pretéritos, não observamos uma tendência de igual acréscimo à quantidade de sujeitos com espírito livre, sedentos a ampliar sua esfera de vida.
Trata-se, principalmente, do custo alto que é cobrado ao se alargar o pensamento: ampliando seu palco, nos é cobrado ao não se aceitar mais, com tanta tranqüilidade, dogmas.

Grande parte do sujeito é formada em épocas que nem consciência de si mesmo ele possuía. Ao assumir o leme, ele não sabe de quais madeiras foi feito seu casco; os cardamos da vela, são de cânhamo ou seda? As cartas marítimas que apontam tais ilhas, não estão invertidas? Deste modo, somente a experiência de velejar pode destruir concepções (os dogmas) já recebidas ao iniciar a viagem.

Concluindo, o pensamento alargado favorece a diversidade, tecido da existência, produzindo seres mais conscientes de si e dos outros. A vida pode ser expressa em toda sua amplitude possível, a esfera do existir se expande, o prazer é advindo é, imensuradamente, melhor. Este é meu ponto de vista sobre, entre tantos, como deve se viver a vida: a busca incessante de uma amplitude maior de experiências, sensações

Por último, duas observações (mais à guisa de questões): a diversidade não trabalhará a favor da uniformidade, ou seja, servindo de substrato para ser aprisionada em um novo modelo passível de mercantilização?

E ainda, em relação ao espírito alargado: tomando-se consciência da existência deste modo de viver mais amplo, serão muitas as pessoas a sair de sua segurança para trilhá-lo?

Dúvidas existenciais que, somente com o tempo, poderemos responder.



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