sábado, 29 de novembro de 2008

Berlin: die Sinfonie der Großstadt, 1927

Eu resolvi seguir o acaso e peguei o dvd que estava no topo da pilha, seguindo a lista enumerada anteriormente (que não segue, creio, ordem nenhuma de importância/data/país etc). Berlim, A Sinfonia da Metrópole, de Walther Ruttman.

Algumas semanas atrás, o Belém havia me emprestado o livro Introdução ao Documentário Brasileiro, de Amir Labaki, que traça um panorama histórico com as obras mais importantes do documentário nacional. Ele citava a obra São Paulo - Sinfonia da Metrópole de 1929, cujos autores, Adalberto Kemeny e Rudolf Rex Lustig, no Brasil mas de naturalidade húngara, evidentemente seguiram a idéia original deste filme. Assim, eu já possuía alguma idéia, pelo livro, sobre o que esperar deste Berlim. E ainda bem, me surpreendi muit: imaginara algo muito aquém da grandiosidade deste filme

Porque a saber pela data estampada na capa, 1927 (81 anos atrás), pensei que encontraria um filme de linguagem simples (não se esqueçam sobre meu saber ridículo sobre o tema), predominantemente histórico, sem fundo crítico ou social (ao contrário da escola soviética de Vertov e Eisenstein). Ledo engano.

Participamos, vendo o filme, de um dia em Berlim, do amanhecer ao mais tardar da noite. O filme é dividido em atos, que separam este dia fictício (montagem: esta é a palavra original desta obra). Já nos primeiros momentos, uma pequena amostra da beleza que estaria por vir: na panorâmica montada no trem, que vinha do interior calmo, sereno, vazio, somos levados de choque destas paragens bucólicas ao progresso: trilhos, fios elétricos, pontes, numa rápida sucessão de imagens, lembrando-nos que a cidade é feita de aço e eletricidade.

Contrário ao filme original que é mudo, esta versão que assisti possui trilha sonora, muito bem composta e unida à estética da película, por Timothy Brock em 1994 (a trilha sonora original se perdeu). Sinfônica, cuja sonoridade e composição antigas, a la Wagner, facilmente me enganaram, acreditando que era a trilha original do filme. De certo modo, creio que ela facilitou de maneira imprescindível minha aceitação ao filme, e contribuiu de sobremaneira para o viés de minha análise.

Porque da união da trilha sonora com o filme sentimos uma palavra: grandiosidade. A cidade de Berlim se torna grandiosa, um organismo vivo que necessita de alimententação para suas indústrias, fornalhas, seu maquinário pesado, cujos operários que a alimentam (no sentido entomológico) são as pessoas (ausentes nos primeiros minutos, saem às ruas como formigas correição).

Há alguns elementos de cunho sociopolítico, contraposições das classes sociais, pobres e ricos, nos vários momentos do dia: o almoço do peão de obra e do burguês no restaurante chique, as mulhers com seus empregos nos jornais (que nos fazem lembrar o quão importante é a comunicação de massa para a nossa sociedade, de antes e, principalmente, de hoje), a diversão dos opostos (os cavalos e teatros para os ricos, os esportes e as piscinas para os pobres); muito embora estas passagens, a crítica não é lacinante, expõe mas é rapidamente atenuada pela idéia de que o que importa é a metrópole, Berlim, a metrópole que necessita destas pessoas para existir.

As linhas de circulação de pessoas (bondes, metrôs, carros, carroças) conectam o filme. Há um momento factual que demonstra grandiosidade da obra e de sua linguagem: entre os bondes e trens que circulam apinhados de pessoas quase se esbarrando nas curvas, a dinâmica do filme , velocidade e movimento, ruas, pessoas, em um momento, um policial fecha o cruzamento e também cessa o movimento do espectador: neste exato instante, com o tempo parado, um mendigo aparece, catando bitucas de cigarro espalhadas pelo chão. Muito embora toda a grandiosidade e união da cidade, há pessoas do lado de fora da festa.

Esta é uma das boas críticas que o filme faz, entre outras, como a cena do almoço do rico e do peão já citado, mas que, infelizmente, é rapidamente engolida pela velocidade das tipografias dos jornais, do trabalho nas fábricas e no movimento das ruas. A noite, os divertimentos, os espetáculos teatrais, a boa vida. Por fim, fogos de artifício. A imagem de Berlim, metrópole e supra-organismo-nação, é uma imagem de felicidade, belle époque na golden age, progresso, união e alguma harmonia (todos, muito embora seus papéis, são todos parte de uma grande epopéia, de algo único e brilhante).

Em 1927 a República de Weimar na Alemanha colhia os frutos em sua era de ouro, período de renascimento cultural e economico, que iria findar-se em 1929-30. Por isso a importância deste filme, tanto como cinema quanto peça histórica. A beleza impressionante deste filme, com sua cidade da esperança, o tom feliz, a falsa união forjada, contrastam-se com os anos de terror e medo que viriam após com a subida do Partido Nazista no poder. Em uma cena, soldados alemães marcham por uma rua, única cena militar entre um filme todo civil: o que parece ser aquele prenúncio pequeno, embora fundamental, da história que não tardaria a vir.

Como realização cinematográfica, social, histórica, política, estética, artística, este é um dos documentos mais importantes já produzidos pelo homem. A trilha sonora é muito boa, contrapondo o ritmo mecanico e automático das máquinas com passagens calmas e melódicas quando as pessoas são foco. Todas as suas contradições e ambiguidade só demostram o seu real valor em todas estas áreas, e acima de tudo, como fator estimulante para uma reflexão crítica e subjetiva sobre cinema, arte, história, realidade. Sem dúvida, um dos melhores filmes que já vi.

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