terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Doutores do Pessimiso - Marcelo Coelho

Peço licença e publico a coluna do sociólogo Marcelo Coelho, que escreve para a Ilustrada da Folha. Coelho é um dos alvos prediletos dos pitbulls da direita reacionária brasileira (reinaldo azevedo, hilário como sempre, tem uma rixa histórica com ele). O blog do M Coelho é um dos que mais acesso. Este pequeno texto encampa, de forma maravilhosa, muitos de meus pensamentos , receios e esperanças, que brotaram em profusão quando vim para Goiânia (à época, quase prestei História); ficaram adormecidos por algum tempo; agora, assomam com energia em minha vida cotidiana. (os grifos são meus)

---

Os Doutores do Pessimismo

Será chamado de ingênuo aquele que quiser algo melhor do que o mundo em que vive

NÃO É PRECISO ser um grande gênio para constatar que vivemos num mundo bárbaro.

Que o ser humano é capaz das maiores atrocidades. Que a vida é feita de competição, inveja, egoísmo e crueldade.

Ninguém precisa ter vivido num campo de prisioneiros na Sibéria nem ter sido moleque de rua no Capão Redondo para saber disso. Mas virou moda entre muitos intelectuais e jornalistas anunciar uma espécie de "visão trágica" do mundo, como se se tratasse da mais surpreendente novidade.

Com certeza, há nisso uma reação saudável contra o excesso de otimismo. Durante o século 20, grande parte da esquerda não quis ver as barbaridades cometidas por Stálin e Mao porque, em última instância, "tudo iria dar certo". Belas esperanças tornaram-se pretexto para atos de horror. Nada mais correto do que denunciar o horror.

O que me parece estranho é que, mais do que denunciar o horror, esses pensadores trágicos e jornalistas sombrios gostam de destruir as esperanças.

O reconhecimento do Mal, a crítica à violência da esquerda, a percepção de que ninguém é "bonzinho" e de que a realidade é uma coisa dura e feia vão se transformando em algo próximo do fascínio.

E, com diferentes níveis de elaboração e de cortesia pessoal, esses autores tendem a fazer do fascínio uma estratégia de choque.

Quanto mais chocarem o pensamento corrente (que considera ruim bombardear crianças e bom defender a Amazônia, por exemplo) mais ganharão em originalidade, leitura e cartas de protesto. Parece existir uma competição nas páginas dos jornais e na internet para ver quem conseguirá ser o mais "durão", o mais "realista", o mais desencantado.

Há diferenças notáveis de atitude e de opinião entre pessoas como Luiz Felipe Pondé, João Pereira Coutinho, Demétrio Magnolli ou Reinaldo Azevedo. Mas é um time e tanto, e minha experiência pessoal com a violência do ser humano, adquirida nos pátios de recreio do ginásio, é suficiente para não querer polemizar com alguns deles.

Não vou, portanto, individualizar as minhas críticas. Mas, de modo geral, os "durões" do mundo opinativo parecem correr um mesmo risco. A crítica às utopias do século 20 faz sentido, com certeza, mas termina funcionando para justificar muitos erros e abusos do presente -desde que sejam suficientemente "não-utópicos". Será chamado de ingênuo ou nostálgico todo aquele que quiser algo melhor do que o mundo em que se vive.

Nem todos os "durões" de que falo abdicam desse "melhorismo". Mas ai de quem tiver ideias um pouquinho mais à esquerda do que as deles -o que não é difícil.

Às vezes, a crítica ao stalinismo se compraz em tornar stalinista quem se afaste um milímetro das opiniões de quem a professa. Outras vezes, a crítica às velhas utopias tende a se transformar numa glorificação da realidade.

Curiosamente, então, aquilo que deveria ser ponto de partida se torna ponto de chegada. O mundo é horrível e a realidade é cruel. É um ingênuo quem quiser mudar essa situação. O horror e a crueldade fazem parte da paisagem. Melhor assim, quem sabe: nós, pelo menos, tiramos disso a satisfação de não sermos ingênuos.

Você está esperançoso com a vitória de Obama? Ouço um risinho: que otário. Mas fico feliz de nunca ter sido otário a respeito de Bush. Você se choca com as crianças mortas em Gaza? Ouço um risinho: os militares israelenses entendem mais do problema que você.

Você quer que se preservem as reservas indígenas da Amazônia? Mais um risinho: os militares brasileiros entendem mais do problema que você, que pensa ser bonzinho mas é tão malvado como todos nós.

Pois o ser humano é mau, desgraçado e infeliz, desde que foi expulso do Paraíso. Você não sabe disso?

O que sei é algumas pessoas foram expulsas do Paraíso para morar numa mansão em Beverly Hills, e outras para morar em Darfur. Todo o poder aos poderosos, toda realidade aos realistas, e todas as bombas para quem ficar no meio do caminho. Eis o resumo da atitude dos "durões". Mas quem precisa de articulistas num mundo desses? Os militares dão conta do recado.

----------------
Now playing: Miles Davis - Blue In Green
via FoxyTunes

Um comentário:

Aldrin Iglesias disse...

Bom artigo. Obrigado por tê-lo publicado.