Uma das passagens mais memoráveis, para mim pelo menos, do grande romance Musashi, de Eji Yoshikawa, diz respeito à concha de inércia. Há muito tempo li o livro, mas a alegoria que trago desta passagem é muito importante.
Musashi encontra-se nos idos de sua vida de ronin (samurai errante, sem mestre) com um amolador de espadas, que pratica em tão perfeita harmonia sua arte e profissão que desconcerta o grande mestre. Musashi se sente minúsculo, incapaz de reagir à leveza e espiritualidade que emana do pequeno artesão. Acha que, se o mestre polidor fosse um espadachim (recordo-me que o era no passado), com certeza foi/seria um dos maiores do mundo. Muito da genialidade da filosofia de Musashi vem justamente da contraposição, do permeio, da observação cruzada que ele fazia entre seu caminho da espada e os outros caminhos do mundo, principalmente a filosofia e a arte. Das comparações, ele conseguia certezas e pedras firmes que fomentavam novos sentimentos e viveres.
Após este encontro, Musashi se aprisiona em si mesmo. A concha da inércia é título de um dos capítulos do livro. Desanimado, apático, o espadachim cai em um vórtice do qual o centro é ele mesmo, e a dificuldade de escapar e novamente viver a vida e o caminho da espada se esvaem, já que tudo carece de sentido. Angustiado por achar que não consegue realizar nada na vida por se sentir, justamente, acorrentado a si mesmo, à sua pequenez, a impermanência, entre outros motes filosóficos, esse momento de sofrimento é comum a quase todos nós, seres humanos.
Mas não somente esta passagem demonstra esta humanidade do espadachim, fugindo da aura mágica que o pintam. Ela funciona, justamente, como ponto central do romance, donde o personagem conseguirá, saindo desta concha, energia infinita para prosseguir em seu caminho. Portanto, a concha em que ele se aprisiona funciona como um refúgio também, não somente como um defeito, um problema: precisamente neste refúgio que o personagem reaproxima-se de suas principais certezas sobre a vida, dialoga consigo mesmo no atribular das idéias e do desespero, mas não se deixa por vencido, libertando-se novamente apoiado em suas convicções.
Ocorre que, à época, o ideário samuraico nipônico era baseado em sentimentos e conceitos muito correlacionados com a honra e o caminho. Existiam estruturas de onde poderíamos, como puderam os mesmos, extrair sentido e moral para a vida. Estruturas estas que, em nossa ocidentalidade, se exemplificam como, por exemplo, a família, o trabalho, a religião, dentre outros. É justamente daquelas estruturas (honra, giri, justiça, sabedoria dentre outros) que não são objetivadas, mas subjetivas, que Musashi retira a sua força e registra-se como sujeito que adquire a revelação do caminho por meio de si mesmo.
Em outras palavras: atravessando um momento sem fortuna, ao olhar para dentro de si, Musashi extrai a sabedoria e a força de conceitos que ele, e toda a sociedade, admiravam e tinham como verdade. Ele inova, justamente, ao perceber-se perdido em seu caminho de choque entre a guerra e a arte, o humano e o divino, entre as contradições que a vida, a quem tem sede, demonstra em toda a sua beleza. Perdido neste caminho tumultuoso, desamparado, acorrentado em si mesmo, ainda assim ele apreende a necessidade do sofrimento como item fundamental ao aprendizado da vida.
E aqui é o ponto que eu gostaria de chegar. Como transpor essa alegoria, do olhar pra dentro e adquirir força de conceitos outrora possuídos, se tais conceitos já não são amparados nem pela sociedade, nem por você em nosso mundo contemporâneo? De onde extrair sentido para os questionametnos da vida em meio ao cinismo que impera palpavelmente em todos os olhares? O ato de isolar-se em busca de auto-conhecimento, apoiando-se hermenêuticamente em seus conceitos já formados, ermitão em própria cidade, casa, lar, mente, continua trazendo a força que propagam os sábios orientais? Digo isto pois certas instituições que sempre nos serviram como valor, hoje se mostram arcaicas e ultrapassados, com seus conceitos e moral muito peculiares, e não trazem mais alívio à algumas almas.
Vejo muitas pessoas desistindo da vida muito cedo, conformando-se, desiludindo-se, se entregando. O que me traz uma imensa tristeza.
Sendo tu, uma destas almas, de onde tiras tua força?
Musashi encontra-se nos idos de sua vida de ronin (samurai errante, sem mestre) com um amolador de espadas, que pratica em tão perfeita harmonia sua arte e profissão que desconcerta o grande mestre. Musashi se sente minúsculo, incapaz de reagir à leveza e espiritualidade que emana do pequeno artesão. Acha que, se o mestre polidor fosse um espadachim (recordo-me que o era no passado), com certeza foi/seria um dos maiores do mundo. Muito da genialidade da filosofia de Musashi vem justamente da contraposição, do permeio, da observação cruzada que ele fazia entre seu caminho da espada e os outros caminhos do mundo, principalmente a filosofia e a arte. Das comparações, ele conseguia certezas e pedras firmes que fomentavam novos sentimentos e viveres.
Após este encontro, Musashi se aprisiona em si mesmo. A concha da inércia é título de um dos capítulos do livro. Desanimado, apático, o espadachim cai em um vórtice do qual o centro é ele mesmo, e a dificuldade de escapar e novamente viver a vida e o caminho da espada se esvaem, já que tudo carece de sentido. Angustiado por achar que não consegue realizar nada na vida por se sentir, justamente, acorrentado a si mesmo, à sua pequenez, a impermanência, entre outros motes filosóficos, esse momento de sofrimento é comum a quase todos nós, seres humanos.
Mas não somente esta passagem demonstra esta humanidade do espadachim, fugindo da aura mágica que o pintam. Ela funciona, justamente, como ponto central do romance, donde o personagem conseguirá, saindo desta concha, energia infinita para prosseguir em seu caminho. Portanto, a concha em que ele se aprisiona funciona como um refúgio também, não somente como um defeito, um problema: precisamente neste refúgio que o personagem reaproxima-se de suas principais certezas sobre a vida, dialoga consigo mesmo no atribular das idéias e do desespero, mas não se deixa por vencido, libertando-se novamente apoiado em suas convicções.
Ocorre que, à época, o ideário samuraico nipônico era baseado em sentimentos e conceitos muito correlacionados com a honra e o caminho. Existiam estruturas de onde poderíamos, como puderam os mesmos, extrair sentido e moral para a vida. Estruturas estas que, em nossa ocidentalidade, se exemplificam como, por exemplo, a família, o trabalho, a religião, dentre outros. É justamente daquelas estruturas (honra, giri, justiça, sabedoria dentre outros) que não são objetivadas, mas subjetivas, que Musashi retira a sua força e registra-se como sujeito que adquire a revelação do caminho por meio de si mesmo.
Em outras palavras: atravessando um momento sem fortuna, ao olhar para dentro de si, Musashi extrai a sabedoria e a força de conceitos que ele, e toda a sociedade, admiravam e tinham como verdade. Ele inova, justamente, ao perceber-se perdido em seu caminho de choque entre a guerra e a arte, o humano e o divino, entre as contradições que a vida, a quem tem sede, demonstra em toda a sua beleza. Perdido neste caminho tumultuoso, desamparado, acorrentado em si mesmo, ainda assim ele apreende a necessidade do sofrimento como item fundamental ao aprendizado da vida.
E aqui é o ponto que eu gostaria de chegar. Como transpor essa alegoria, do olhar pra dentro e adquirir força de conceitos outrora possuídos, se tais conceitos já não são amparados nem pela sociedade, nem por você em nosso mundo contemporâneo? De onde extrair sentido para os questionametnos da vida em meio ao cinismo que impera palpavelmente em todos os olhares? O ato de isolar-se em busca de auto-conhecimento, apoiando-se hermenêuticamente em seus conceitos já formados, ermitão em própria cidade, casa, lar, mente, continua trazendo a força que propagam os sábios orientais? Digo isto pois certas instituições que sempre nos serviram como valor, hoje se mostram arcaicas e ultrapassados, com seus conceitos e moral muito peculiares, e não trazem mais alívio à algumas almas.
Vejo muitas pessoas desistindo da vida muito cedo, conformando-se, desiludindo-se, se entregando. O que me traz uma imensa tristeza.
Sendo tu, uma destas almas, de onde tiras tua força?
2 comentários:
...please where can I buy a unicorn?
Li Musashi e coerentemente adaptado, sua história conta a história de um homem comum:
- No início, em sua adolescência e juventude ele se ve impulsionado por um caminho o qual acredita ser o caminho da verdade.
- Ao percorrê-lo e passar pelos percalços relatados no livro ele forja sua espada que simbolicamente no Bushido corresponde à alma do guerreiro.
- Na luta a qual ele abate mais de 70 homens, no episodio o qual o representante de uma casa samurai era uma criança (a qual ele também abate) ele se vê na dualidade do espírito (ensanguentado e com duas espadas na mão).
- Daí por diante ele começa uma batalha interior, fugindo daquilo que o aprisiona e cai doravante na "concha da inércia". Voltando a minha realidade, o meu pai sempre me ensinou que a força que transforma o mundo está dentro de nós. Mais tarde entendi que toda força requer recarga e com este ciclo (como os dias e noites) esta força se torna infinita. Recarregá-la é olhar para dentro. É parar de repente e definir se o caminho a ser percorrido pode ser percorrido e com quais habilidades. Musashi descobriu logo cedo que a alma de um homem é dual e pende para o lado o qual você coloca mais peso.
Assim sendo, a força tirada de dentro ou o shi ou ki é apenas uma energia para ser empregada naquilo que o homem como ser social define. Não há em verdade o bom ou ruim agindo, apenas a consciência e o objetivo.
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