terça-feira, 21 de julho de 2009

Sobre Luziânia e um pouco sobre nós

A SEDH/PR (Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República), o Unicef e a ONG Observatório das Favelas coordenaram um estudo que foi publicado hoje. O cálculo, bastante simples: com base nos dados do ano de 2006, estimaram o IHA (Índice de Homícidios na Adolescência) para as cidades com mais de 100 mil pessoas no país. Funciona mais ou menos assim: de cada 1000 adolescentes que completam 12 anos de idade, quantos destes serão assassinados antes de completar 19 anos. Ou em outras palavras: em um período de 7 anos que vai dos 12 aos 19, quantos adolescentes, estimados em grupos de 1000, serão mortos.

Dei uma olhada no estudo. Luziânia desbanca Goiânia e Aparecida de Goiânia (minhas apostas naturais). E não desbanca pouco não: Luziânia é a 15ª (décima quinta) cidade mais violenta para adolescentes do país.

Com um IHA de 5,4 adolescentes mortos em 2006 para cada grupo de 1000, estima-se que num período de 7 anos a partir de 2006, 149 adolescentes serão assassinados em Luziânia. Fazendo uma conta rápida (e talvez até temerária estatisticamente), a cada ano 22 adolescentes são/serão assassinados naquela localidade.

Luziânia integra o entorno de Brasília juntamente com Formosa, Valparaíso, Águas Lindas e Planaltina, região muito conhecida pela sua riqueza e desigualdade, criminalidade e violência. Violência inclusive tamanha que é de conhecimento geral os grupos de extermínio que operam na região, como estampado em matéria do jornal Correio Brasiliense em 11 de maio de 2009, e em uma série de reportagens que a seguiu (a série completa pode ser obtida aqui, disponível em pdf). Luziânia não é Formosa, claro, mas as semelhanças não são mera coincidência.

Goiânia situa-se em 143º, com um IHA de 1,5 adolescentes assassinados anualmente por grupo de 1000. De acordo com as estimativas, em 7 anos serão assassinados 259 adolescentes em nossa capital.

Tênebra?

Creio que não. Se lembrarmos que os dados são de 2006, e que nos últimos 3 anos sentimos nossa sociedade muito mais permeada de ira e ódio do que poderíamos sequer imaginar, podemos, de relance, enxergar como engendramos diariamente este nosso mundo, isolados de nós e dos outros, rogando aos céus para sermos, duplamente, indefesos e inocentes.

O que muito me lembra o poema de Kaváfis.

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À Espera dos Bárbaros

O que esperamos na ágora reunidos?

É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?

É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?

É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?

É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?

É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloqüências.

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?

Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.

Konstantinus Kavafis
Tradução de José Paulo Paes

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