terça-feira, 13 de novembro de 2007

Abismos - Parte I

Um dos problemas graves que somente pude perceber toda a sua amplitude após vir trabalhar aqui na Secretaria de Justiça em Goiânia, mais precisamente no Complexo Prisional, é um dos gigantescos abismos que separam as várias realidades desde país multifacetado. Tanto por que não há quem os ouça, sua história, seus anseios, os degredados neste fim de mundo, tanto por que há os que os ouvem demais, extrapolando e ultrapassando o limiar, que é nebuloso, desse assunto justiça e política criminal, embaralhando conceitos e ideologias, culminando em discursos confusos sem eficácia.

Felizmente o estado de Goiás ainda pode se dar ao luxo de não ter problemas graves de crime organizado, tal como vemos em São Paulo e Rio de Janeiro. Os crimes que aqui ocorrem em sua maioria são ligados a fins econômicos, como tráfico de drogas e latrocínio, roubo dentre outros, enquanto a outra grande parcela é dos crimes contra a vida, quase sempre envolvendo situações de desavenças anteriores, paixões e ciúme, regados a muito álcool e drogas.

É claro que não poderia fazer uma análise acurada sem todo um estudo aprofundado, mas passando os olhos por tantos exames criminológicos que digito, percebo uma situação muito complexa para ser reduzida a simples fatores, como fazem os partidários das várias vertentes do assunto e a mídia em geral.

Por alto, percebo uma grande fusão de vários acontecimentos que trazem as pessoas a este lugar absurdo. Vem quase sempre de famílias esfaceladas, meios pobres e sem nenhuma educação. Conceitos como "alfabetizado", enquanto o próprio preso só consegue assinar o nome, não alteram a situação dela.

Tiveram contato com as drogas na adolescência, como quase todos os adolescentes do país, legais ou ilegais. Alguns utilizaram pouco, outros a vida toda. Muitos trabalhavam e não conseguiram se realizar plenamente na vida. Os impulsos dificilmente são controlados, fruto de vícios e de um ambiente várias vezes miserável pois convenhamos, vivemos em pleno século XXI, enquanto a qualidade de vida de certos bolsões de miséria se equipara à Idade Média.

Imersos em tantos problemas e com nenhuma esperança a não ser a promessa gritada pelos alto falantes dos templos evangélicos do amanhã, tudo o que eles vêem na televisão contradiz a religião. O aqui-e-agora, tão em voga nas propagandas que bombardeiam-nos com produtos todos os segundos, choca com sua compreensão prejudicada do mundo.

Entre o amanhã, ainda distante, e o agora, nada desejável, a tendência quase sempre manifestada é conseguir o necessário para a sua dignidade de qualquer maneira. O que danifica ainda mais todo este processo é a ilusão vendida de que produtos e mercadorias conseguem suprir o vazio da existência.

Se não há condições e trabalho para todos, se os que existem são informais ou mal remunerados, se o divertimento é viver enfurnado em casa a noite acompanhando a fantasia da televisão, ou então, como alternativas, os bares e festas, o bem da dignidade caminha "pari passu" com o delito. A dignidade repousa no outro, no bem do outro, na vida do outro. A felicidade e a dignidade são a festa da qual ele fora impedido de participar várias e várias vezes ao longo de sua vida.

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