domingo, 4 de novembro de 2007

Desejo x Ética

Há certas situações que nos levam a questionar nossos posicionamentos. Adotamos então uma postura reflexiva. Questionamos, pois algumas sensações novas nos ocorrem e são altamente desejáveis, logo nossos desejos: "será que este caminho é o correto?"

O questionamento do caminho sempre ocorre. É muito difícil que consigamos ser estóicos ao ponto de não nos influenciarmos por nenhum movimento ambiental, que nada nos remova do centro. Nestas horas, ficamos momentaneamente dispersos, equívocos, sonhadores.

Embora seja sedimentado que tudo é fruto de desejos ou impulsos que não temos nenhum controle na maior parte do tempo, não há congruência da ciência ou razão com nossa emoção, o íntimo. É claro que se o desejo é consciente, racional, lentamente cultivado por dias, há um certo controle e também uma grande vontade de realiza-lo. Mas o desejo inicial ainda é alvitre de uma sensação subjetiva que quer um fim, quer fenecer para se completar. Somente com a conjugação do complemento, o desejo se torna uno com teu alvejado e nos inundamos com a satisfação do objetivo alcançado.

O que já sabemos, desde que começamos este duro aprendizado de ser humano, que nem sempre conseguimos o que almejamos, embora queiramos com a máxima de intensidade. E que dói, martiriza, incomoda quando nós o almejamos, e escapa de nosso alcance por "n" fatores ou motivos que, também, fogem do nosso controle.

E quando o desejo parece retumbar em um enorme questionamento ético? "É justo fazê-lo?", "Eu devo ou não devo?", "Vou ferir alguém, vou sair ferido?". Enfim, sabemos conscientemente, racionalmente, que temos algumas opções e quase nenhuma é boa o suficiente para que ninguém se machuque. Este é o momento sob o qual gostaria de deitar os olhos.

Não há resposta padrão para tais perguntas. Não há receita, não há tendência. Ou há, mas são caminhos já trilhados, mapas de tesouro já gastos e que há muito tempo foram desenterrados. Estas respostas, que são ofertadas de forma desinteressada como receitas culinárias inofensivas, são vivências ou, pelo menos, experiências de outras pessoas que tem a pretensão de entender o questionamento e possuírem a eles um fim. Se for o caso, e se o que te satisfaz é justamente esta pílula que aliviará o mal, por ora pode se dar por satisfeito.

Mas é uma responsabilidade muito grande desperdiçar toda esta preciosidade que é a experiência natural e própria do ser seguindo por receitas pré-fabricadas, não testadas, de vias já traçadas, percorridas e abandonadas. Hoje, a segurança que lhe faz tranqüilamente repousar dentro do lar é a mesma que lhe tolhe todo um amalgama de vivências e conhecimentos que estão do lado de fora. É certo que entre escolhas, uma deverá ser feita, mas creio que não podemos nos escusar de escolhe-las, de viver aquele movimento crucial que reúne em si os elementos, os sentimentos, a vida, o desejo, a ética, ou seja, a própria cinemática do desiderato.

Então, mesmo com as dúvidas sobre os anseios, certamente devemos trilhar o caminho da escolha. Um balanço entre a satisfação do desejo e a ética é, talvez, a melhor saída. Não devemos, como já demonstrado, nos privar de todo o cosmo por causa de um controle social ou ético predisposto há séculos e que ainda guia a vida de um sem número de seres. Devemos, sim, tentear toda a bruma, apalpando delicadamente, vagarosamente, suprimindo ou alongando nossas emanações, cotejando a matiz em prol de auto conhecimento.

Não há como sair dessa grande viagem renegando todos os sabores e nuances deste planeta. Por que existimos, devemos nos indagar, devemos buscar, de modo racional ou não, com loucuras ou mente sã. O importante é a busca.

Enquanto não alcançamos a negação total do desejo, talvez ele deva ser utilizado como motor de sua busca. Embora eliminá-lo é um grande passo rumo à iluminação, tenho um certo receio de deixar para trás uma das características mais marcantes do humano.

Em uma sociedade que caminha para um controle cada vez maior de corpos e mentes, rejeitar toda esta vivência que poderia ser alcançada, "a priori", como hipótese inicial, sem nem venturar-se é desperdiçar toda a preciosidade da vida.

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